“Diga, meu pai, quem é mais rica: D. Veridiana ou a Light?” perguntava o pequeno Cândido Motta Filho na inauguração da primeira linha de bondes elétricos, em 1900. Pois D. Veridiana não tinha carro com rodas de borracha? Não tinha um palacete no estilo do Renascimento francês? Ao domingos não franqueava seus jardins à vizinhança? Não fazia leilões das uvas produzidas em sua chácara para ajudar a Santa Casa? Não era mãe do prefeito de São Paulo?
Essa mulher tão poderosa, que deixava o pequeno menino boquiaberto, era Veridiana Valéria da Silva Prado (1825-1910), filha do Barão de Iguape. Foi ele o primeiro grande centralizador da família, que não tinha raízes em bandeirantes ou mamelucos, arranjando casamentos entre parentes e famílias importantes como os Monteiro de Barros, Pacheco Jordão, Silva Machado... Esse papel seria desempenhado depois por sua filha Veridiana, que promoveria a união de filhos e netos com famílias de expressão social e econômica. Ao falecer, em 1875, o Barão deixava uma das maiores fortunas do estado e uma herdeira que como ele manteria a unidade do clã, sem deixar de ter destaque na vida social e promover a cultura.
Nascida na capital da província pouco depois da Independência, ainda pequena Veridiana conheceu a Marquesa de Santos, que a chamava de “menina mesureira”. Isso não ficou esquecido: quarenta anos depois, quando um dos filhos de Veridiana se formava na Faculdade de Direito, um grande baile era organizado no sobrado da Rua da Consolação. A Marquesa, passando por ali, entusiasmou-se e falou com a dona da casa elogiando a decoração: “Está tudo tão bom, me faz lembrar o primeiro Império”. Veridiana agradeceu polidamente, mas mesmo assim não convidou a velha dama para a festa....
Veridiana casou-se aos 13 anos com seu tio Martinho, meio-irmão de seu pai, quatorze anos mais velho que ela. Dessa forma, podemos até brincar um pouco, dizendo graças a essa união ela tornou-se:
- Cunhada do pai;
- Nora da avó;
- Neta da sogra;
- Mulher do tio;
- Sobrinha do marido;
- Mãe dos primos;
- Tia dos filhos.
Os casamentos endogâmicos (dentro de um mesmo grupo familiar) era prática comum entre as famílias paulistas. Os Prado, assim como os Paes de Barros e Souza Queiroz, casavam-se entre si para fortalecer laços de sangue e fortuna. Só mesmo no século XIX é que as uniões exogâmicas começaram a se multiplicar.
Casada, segue o marido para o Engenho Campo Alto, em Mogi-Mirim, que graças ao empenho de Martinho logo se torna modelo na região. Ali, aos 15 anos, tem o primeiro filho, Antonio; em 1842, nasce Veridiana, morrendo seis semanas depois; dois anos depois nasce Martinico; em 1844 tem Ana Brandina (Chuchuta), nascida num rancho à beira da estrada de Mogi- Mirim, pois não houve tempo de chegar a São Paulo. Em 1846 nasce a segunda filha com seu nome, mas que morre aos 18 meses. Já morando no sobrado da rua da Consolação (onde hoje se encontra a Praça Roosevelt), tem os últimos filhos: Anésia (Nesita - 1850), Antonio Caio (1853) e Eduardo (1860).
Ao defender o casamento de sua filha Ana Brandina com o Conde Pereira Pinto entra em choque com o marido, de quem acaba por separar-se causando escândalo na provinciana cidade. Permanecem ambos na mesma casa, porém em alas separadas até que ela construa o seu palacete, onde viria a ser o bairro de Higienópolis.
A “Villa Maria” (homenagem a uma afilhada) seria conhecida ainda por Chácara da D. Veridiana. O palacete ainda está de pé apesar das reformas, escondido atrás de um denso arvoredo na esquina da Avenida Higienópolis com rua Dona Veridiana; atualmente abriga a sede do São Paulo Clube.
O palacete, em estilo Renascimento francês, teve projeto e materiais vindos da Europa, estando sua construção ao cargo de Luis Liberal Pinto. Em 1885 Veridiana se muda para a casa, que realmente destoava de tudo o que se via na cidade: inúmeros são os depoimentos daqueles que a visitavam, como a princesa Isabel, em novembro de 1884:
“A propriedade de D. Veridiana, lindíssima; casa à francesa, exterior e interior muitíssimo bonitos, de muito bom gosto.(...) Os jardins tem gramados dignos da Inglaterra, a casa domina tudo, há um lagozinho (sic), plantações de rosas e cravos, lindos. Vim de lá encantada”.
Além do relato embevecido da princesa, seu retrato e de seu pai no salão principal não deixavam dúvidas quanto ao prestígio e respeito existentes entre D. Veridiana e a Família Imperial. Em 1887, quando de sua última visita a São Paulo, D. Pedro II foi recepcionado no palacete. D. Veridiana dispôs seus netos em duas alas para que jogassem pétalas de rosas sobre o imperador. Um deles, porém, juntou um bolo de pétalas e atingiu em cheio o rosto do monarca; o peralta era um dos filhos de Martinico Prado, combativo jornalista republicano.
O salão de D. Veridiana também foi um dos mais importantes palcos de reuniões intelectuais da história paulista. Os cientistas Orville Derby e Loefgreen, os médicos Domingos José Nogueira Jaguaribe, Luis Pereira Barreto, Cesário Motta Junior e Diogo de Faria, além de Capistrano de Abreu, Ramalho Ortigão, Graça Aranha, Joaquim Nabuco. Eça de Queiroz encantou-se com a mãe do amigo Eduardo, e lamentou o fato de não ter privado mais de seu convívio.
Ao separar-se do marido e assumir o controle da família Veridiana escandaliza a sociedade, tendo mesmo recebido ameaças através de cartas anônimas. Reza a crônica familiar que foi ela também a primeira mulher da elite a sair sozinha para as compras, acompanhada apenas do cocheiro. Foi também uma das animadoras da introdução de novas espécies de uva, como a Niágara, cultivadas em sua chácara por Francisco Marengo, que depois deixaria seu nome ligado à história do Tatuapé.
Dentre tantas histórias sobre essa grande dama paulista, uma merece registro: foi quando esteve em Paris, no apartamento de seu filho Eduardo, em plena Rue de Rivoli. Depois de percorrer todos os aposentos daquele que seria um dos mais importantes pontos de encontro da sociedade de fins do século XIX, ela deve ter escandalizado o circunspecto mordomo ao dizer estas palavras: “Está tudo muito bom, muito bonito. Só é pena não ter um galinheiro”.
Discreta, vestia-se com roupas escuras e não aceitava o tratamento de Madame, tão em voga na época. Inovou em seu testamento provendo generosamente mulheres da família ou agregadas, contanto que usassem o dinheiro em proveito próprio, sem deixá-lo nas mãos dos maridos. Isso a torna uma das primeiras feministas da nossa história. Deixou ainda um pedido de desculpas a todos aqueles que possa ter ofendido ou escandalizado e o pedido de um enterro de segunda classe.
(publicado originalmente no site VivaSP, em 19/08/2006)
4 comentários:
Grande dona Veridiana!
Que bela história!
Adorei a história do galinheiro!!!
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