domingo, 14 de outubro de 2007

A rua Alegre e a rua Triste

São Paulo já batizou com muito mais graça e pitoresco as suas ruas. Os velhos pirapitinganos andavam pelas pedras irregulares das ruas do Jogo da Bola, das Casinhas, da Freira, becos do Inferno e da Cachaça, ladeira do Quebra-bunda.


Nesses tempos havia duas ruas de nomes interessantes – Alegre e Triste –, que saíam do largo de Santa Efigênia em demanda aos campos do Guaré, lugar que com o passar dos anos ficou conhecido como bairro da Luz.


As ruas Alegre e Triste corriam quase paralelas, nascendo pelos flancos do sobrado do Brigadeiro Tobias, ali mesmo junto à igreja de Santa Efigênia.


Esse prédio era o mais antig0 da rua Alegre, construído por volta de 1798 pelo Coronel Luis Antonio Neves de Carvalho. Constituía num imenso sobrado de taipa, com 20 janelas voltadas para essa rua; posteriormente foi comprado pelo Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, que aí residiu com a Marquesa de Santos. Com a construção do viaduto Santa Efigênia, em 1913, parte do sobrado teve que ser demolida, desaparecendo definitivamente em 1924.

Residência do Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar (Gravura de Alberto Esteves)


Por esse tempo a rua Alegre já era endereço da família do Brigadeiro Gavião Peixoto, que possuía uma grande chácara. Com o desmembramento desta entre os filhos, a antiga casa-sede coube a Camilo Gavião Peixoto, que por volta de 1859 a reformou segundo o estilo neoclássico em voga no Rio de Janeiro. Nesse ano seu irmão José Maria Gavião construía um sobrado no mesmo estilo. Junto com o sobrado do Brigadeiro Tobias, essas eram as casas mais antigas da rua Alegre e que resistiram até o século XX.

Residência de Camilo Gavião Peixoto (Militão Augusto de Azevedo)

Residência de José Maria Gavião Peixoto (Militão Augusto de Azevedo)


Depois da implantação da ferrovia, em 1867, a rua Alegre tornou-se um dos endereços preferidos da elite cafeeira; ali residiram membros das famílias Barros, Almeida Prado, Barbosa de Oliveira, Arruda Botelho, Souza Aranha. Na década de 1870 diversas novas construções surgiram nessa rua: o solar de Rafael Tobias Paes de Barros (Barão de Piracicaba II), o chalé do Conde de Três Rios (Joaquim Egídio de Souza Aranha), depois residência do Conde de Pinhal (Antonio Carlos de Arruda Botelho), além das residências de José Vasconcelos de Almeida Prado e Antonio Alvares Penteado.


Em 1877 a Real Sociedade de Beneficência Portuguesa construiu ali sua sede, na esquina da travessa que hoje leva o nome dessa instituição.

Hospital São Joaquim da Beneficência Portuguesa (Autor desconhecido)


Como já visto em artigo anterior, as uniões endogâmicas e a repetição de certos nomes geravam diversos equívocos para futuros pesquisadores. Morando na rua Alegre, dois primos tinham nomes praticamente iguais: Rafael de Aguiar Paes de Barros (filho do Barão de Itu) e Rafael Tobias de Aguiar Paes de Barros (filho do Barão de Piracicaba e segundo do mesmo título). São comuns as confusões por conta dessa semelhança, algumas motivadas por descuido e falta de análise mais profunda, outras pela escassez de fontes disponíveis para consulta.


Rafael Tobias de Aguiar Paes de Barros, futuro Barão de Piracicaba II, ergueu um belo palacete por volta de 1870, um dos primeiros a serem implantados fora do alinhamento da rua. Sobrinho e afilhado do Brigadeiro Tobias (de quem possuía o nome), ele construiu sua casa num imenso terreno na esquina das ruas Senador Queiróz com Alegre, sendo os fundos voltados para a rua Triste, onde ficavam o pomar, as cocheiras e acomodações do escravos. Com mais de sessenta cômodos, a casa possuía os dormitórios no térreo, sendo que o estar formal e familiar se localizava no primeiro andar, considerado o pavimento nobre. Isso ainda era resquício dos sobrados coloniais, nos quais as acomodações para escravos e os serviços se encontravam no piso ao rés-do-chão. Provavelmente a construção era mista, usando taipa de pilão e tijolos de barro, estes com o brasão da Olaria Sampaio Peixoto, de Campinas.

Solar do Barão de Piracicaba II (Autor desconhecido, cerca 1929)


O Barão faleceu em 1898, mas sua viúva e alguns filhos residiram no palacete até 1918, quando foi ocupado pela escola de Farmácia. Foi nessa casa que um dos genros do Barão, o jovem bacharel Washington Luis Pereira de Souza começou a trilhar os caminhos da política. Casado com Sofia, certamente se beneficiou do prestígio que o sogro tinha na sociedade paulista, bem como da vasta e influente parentela. A residência do Barão de Piracicaba foi demolida em 1942.


Por volta de 1885 outro Rafael Tobias, primo e homônimo do anterior, também mandou construir para si um belo palacete, ao gosto neoclássico, mas que inovava ao transferir o andar nobre para o térreo, o que seria o padrão a partir de então. Externamente ambas as residências se assemelhavam, com pequenas modificações quanto à ornamentação.

Palacete de Rafael de Aguiar Barros (Axel Frick)


O palacete em que morou Antonio Alvares Penteado antes de mudar-se para Higienópolis foi construído junto ao alinhamento da rua, com entrada por jardim lateral, na década de 1890. Abrigou anos depois o Hotel Albion.

Palacete de Antonio Alvares Penteado, já funcionando como hotel (Autor desconhecido, cerca de 1929)


A rua Triste, talvez em acordo com o nome, pouca iconografia possui. Mesmo depois, quando seu nome foi mudado para rua da Conceição, não atraiu os ricos cafeicultores. Tornou-se em rua de comércio e moradias de classes menos favorecidas. Com o passar dos anos, a vantagem de morar perto da estação acabou se transformando em transtorno: trânsito, barulho, degradação do entorno, proliferação de hotéis baratos, tudo isso contribuiu para a decadência dessa região como endereço das elites, da mesma forma que ocorreu com a rua Florêncio de Abreu e os Campos Elíseos. Os velhos palacetes transformaram-se em hotéis, comércio, escolas ou cortiços, até serem demolidos e substituídos por edifícios.


Hoje a rua Triste cresceu, transformou-se em avenida e se chama Cásper Líbero; a Alegre continua rua, mas com o nome de Brigadeiro Tobias. Do antigo esplendor nada mais resta.


Para escrever este texto, além da bibliografia indicada na página principal, foi de inestimável valor o artigo Nos caminhos da Luz, antigos palacetes da elite paulistana. CAMPOS, Eudes

In: Anais do Museu Paulista. Jan/Jun 2005. Volume 13; pp. 11-57

domingo, 7 de outubro de 2007

A família Barros

Antonio Paes de Barros casou-se com sua prima Antonia Paes de Barros, que era filha de Antonio Paes de Barros, casado com Gertudes de Aguiar Barros, que era irmã de Leonarda de Aguiar Barros, casada com Bento Paes de Barros, este pai de Antonio Paes de Barros.

Complicado, não? Mas esse é apenas um exemplo da complexa e extensa relação de parentesco do grupo que chamaremos de família Barros.

Antes de mais nada, vamos esclarecer o imbróglio acima. Os irmãos Antonio e Bento Paes de Barros (respectivamente Barão de Piracicaba I e Barão de Itu) casaram-se com as irmãs do Brigadeiro Tobias, Gertrudes e Leonarda. O filho de Bento casou-se com a prima Antonia, e foram os Marqueses de Itu. Ficou claro?

Bem, vamos adiante. A família Barros é uma das mais antigas na história de São Paulo. Para não precisar ir tão fundo em sua história, vamos tomá-la a partir do capitão Fernão Paes de Barros, casado com Ângela Ribeiro Leite. Um de seus filhos, Antonio de Barros Penteado, casou-se com Maria de Paula Machado, e tiveram 9 filhos:
  1. Ângela Ribeiro de Cerqueira, casada com João Manoel Mesquita.

  2. Joaquim Floriano de Barros, casado com Eliza Guilhermina.

  3. Genebra de Barros Leite, casada em primeiras núpcias com o Brigadeiro Luiz Antonio de Souza, tendo deste matrimônio seis filhos, entre eles Ilídia (Marquesa de Valença), Luiz Antonio (comendador), Francisco Antonio (Barão de Souza Queiróz) e Vicente (Barão de Limeira). Em segundas núpcias Genebra uniu-se a José da Costa Carvalho, Marquês de Monte Alegre, sem descendentes.

  4. Escholastica Joaquina de Barros, casada com Miguel Antonio de Azevedo Veiga.

  5. Bento Paes de Barros, futuro Barão de Itu, foi casado com Leonarda de Aguiar. Tiveram sete filhos.

  6. Antonio Paes de Barros, o primeiro Barão de Piracicaba casou-se com a Gertrudes Eufrosina de Aguiar e tiveram sete filhos.

  7. Francisco Xavier Paes de Barros, conhecido por Capitão Chico de Sorocaba, casou-se a primeira vez com Rosa Cândida de Aguiar. Após o falecimento desta, desposou a cunhada Anna de Aguiar. Desta maneira as quatro irmãs do Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar casaram-se com os irmão Paes de Barros. Enviuvando pela segunda vez, o capitão Chico casou-se com Andressa Lopes de Oliveira.

  8. Anna Joaquina de Barros casou-se com João Xavier da Costa Aguiar.

  9. Maria de Barros Leite casou-se com o conselheiro Francisco de Paula Souza e Mello.


Já percebemos que a maior parte dos casamentos nessa geração eram endogâmicos, ou seja, fechados dentro de um mesmo grupo familiar. Na geração seguinte não será diferente, pois ocorrem diversos matrimônios entre primos e tio(a)s e sobrinho(a)s.


Nesse tronco formado pelos filhos de Antonio de Barros Penteado surgem as famílias de maior expressão dentro do grupo Barros. São os Paes de Barros, Aguiar Barros, Souza Queiróz, Souza Barros. Também surgem aí os ramos dos Rezendes, dos Paula Souza, Vergueiro, Costa Aguiar, entre outros.


Essa geração terá grande destaque no cenário político e econômico não só paulista como no brasileiro. Senadores, conselheiros, ministros, barões, comendadores, todos eles terão influência no processo de enriquecimento de São Paulo, cuja economia permaneceu estagnada por quase dois séculos. Inicialmente cultivando a cana-de-açúcar, notadamente no que convencionou-se chamar de “quadrilátero do açúcar” (Jundiaí, Campinas, Itu e Piracicaba), em meados do século XIX iniciariam a plantação de café, o que iria modificar radicalmente a economia paulista.


Cafeicultores, monarquistas e escravocratas, poucos dessa geração irão assistir à queda da Monarquia e à libertação dos escravos. Nessa época seus filhos já estarão assumindo seus próprios papéis na história e vivendo o conturbado momento de transição entre os séculos XIX e XX.


Imagens: Barão de Piracicaba I e Genebra de Barros Leite. Quadros a óleo atualmente no Museu Paulista.

sábado, 6 de outubro de 2007

Dona Veridiana

Diga, meu pai, quem é mais rica: D. Veridiana ou a Light?” perguntava o pequeno Cândido Motta Filho na inauguração da primeira linha de bondes elétricos, em 1900. Pois D. Veridiana não tinha carro com rodas de borracha? Não tinha um palacete no estilo do Renascimento francês? Ao domingos não franqueava seus jardins à vizinhança? Não fazia leilões das uvas produzidas em sua chácara para ajudar a Santa Casa? Não era mãe do prefeito de São Paulo?

Essa mulher tão poderosa, que deixava o pequeno menino boquiaberto, era Veridiana Valéria da Silva Prado (1825-1910), filha do Barão de Iguape. Foi ele o primeiro grande centralizador da família, que não tinha raízes em bandeirantes ou mamelucos, arranjando casamentos entre parentes e famílias importantes como os Monteiro de Barros, Pacheco Jordão, Silva Machado... Esse papel seria desempenhado depois por sua filha Veridiana, que promoveria a união de filhos e netos com famílias de expressão social e econômica. Ao falecer, em 1875, o Barão deixava uma das maiores fortunas do estado e uma herdeira que como ele manteria a unidade do clã, sem deixar de ter destaque na vida social e promover a cultura.

Nascida na capital da província pouco depois da Independência, ainda pequena Veridiana conheceu a Marquesa de Santos, que a chamava de “menina mesureira”. Isso não ficou esquecido: quarenta anos depois, quando um dos filhos de Veridiana se formava na Faculdade de Direito, um grande baile era organizado no sobrado da Rua da Consolação. A Marquesa, passando por ali, entusiasmou-se e falou com a dona da casa elogiando a decoração: “Está tudo tão bom, me faz lembrar o primeiro Império”. Veridiana agradeceu polidamente, mas mesmo assim não convidou a velha dama para a festa....

Veridiana casou-se aos 13 anos com seu tio Martinho, meio-irmão de seu pai, quatorze anos mais velho que ela. Dessa forma, podemos até brincar um pouco, dizendo graças a essa união ela tornou-se:

  • Cunhada do pai;
  • Nora da avó;
  • Neta da sogra;
  • Mulher do tio;
  • Sobrinha do marido;
  • Mãe dos primos;
  • Tia dos filhos.

Os casamentos endogâmicos (dentro de um mesmo grupo familiar) era prática comum entre as famílias paulistas. Os Prado, assim como os Paes de Barros e Souza Queiroz, casavam-se entre si para fortalecer laços de sangue e fortuna. Só mesmo no século XIX é que as uniões exogâmicas começaram a se multiplicar.

Casada, segue o marido para o Engenho Campo Alto, em Mogi-Mirim, que graças ao empenho de Martinho logo se torna modelo na região. Ali, aos 15 anos, tem o primeiro filho, Antonio; em 1842, nasce Veridiana, morrendo seis semanas depois; dois anos depois nasce Martinico; em 1844 tem Ana Brandina (Chuchuta), nascida num rancho à beira da estrada de Mogi- Mirim, pois não houve tempo de chegar a São Paulo. Em 1846 nasce a segunda filha com seu nome, mas que morre aos 18 meses. Já morando no sobrado da rua da Consolação (onde hoje se encontra a Praça Roosevelt), tem os últimos filhos: Anésia (Nesita - 1850), Antonio Caio (1853) e Eduardo (1860).

Ao defender o casamento de sua filha Ana Brandina com o Conde Pereira Pinto entra em choque com o marido, de quem acaba por separar-se causando escândalo na provinciana cidade. Permanecem ambos na mesma casa, porém em alas separadas até que ela construa o seu palacete, onde viria a ser o bairro de Higienópolis.

A “Villa Maria” (homenagem a uma afilhada) seria conhecida ainda por Chácara da D. Veridiana. O palacete ainda está de pé apesar das reformas, escondido atrás de um denso arvoredo na esquina da Avenida Higienópolis com rua Dona Veridiana; atualmente abriga a sede do São Paulo Clube.

O palacete, em estilo Renascimento francês, teve projeto e materiais vindos da Europa, estando sua construção ao cargo de Luis Liberal Pinto. Em 1885 Veridiana se muda para a casa, que realmente destoava de tudo o que se via na cidade: inúmeros são os depoimentos daqueles que a visitavam, como a princesa Isabel, em novembro de 1884:

A propriedade de D. Veridiana, lindíssima; casa à francesa, exterior e interior muitíssimo bonitos, de muito bom gosto.(...) Os jardins tem gramados dignos da Inglaterra, a casa domina tudo, há um lagozinho (sic), plantações de rosas e cravos, lindos. Vim de lá encantada”.

Além do relato embevecido da princesa, seu retrato e de seu pai no salão principal não deixavam dúvidas quanto ao prestígio e respeito existentes entre D. Veridiana e a Família Imperial. Em 1887, quando de sua última visita a São Paulo, D. Pedro II foi recepcionado no palacete. D. Veridiana dispôs seus netos em duas alas para que jogassem pétalas de rosas sobre o imperador. Um deles, porém, juntou um bolo de pétalas e atingiu em cheio o rosto do monarca; o peralta era um dos filhos de Martinico Prado, combativo jornalista republicano.

O salão de D. Veridiana também foi um dos mais importantes palcos de reuniões intelectuais da história paulista. Os cientistas Orville Derby e Loefgreen, os médicos Domingos José Nogueira Jaguaribe, Luis Pereira Barreto, Cesário Motta Junior e Diogo de Faria, além de Capistrano de Abreu, Ramalho Ortigão, Graça Aranha, Joaquim Nabuco. Eça de Queiroz encantou-se com a mãe do amigo Eduardo, e lamentou o fato de não ter privado mais de seu convívio.

Ao separar-se do marido e assumir o controle da família Veridiana escandaliza a sociedade, tendo mesmo recebido ameaças através de cartas anônimas. Reza a crônica familiar que foi ela também a primeira mulher da elite a sair sozinha para as compras, acompanhada apenas do cocheiro. Foi também uma das animadoras da introdução de novas espécies de uva, como a Niágara, cultivadas em sua chácara por Francisco Marengo, que depois deixaria seu nome ligado à história do Tatuapé.

Dentre tantas histórias sobre essa grande dama paulista, uma merece registro: foi quando esteve em Paris, no apartamento de seu filho Eduardo, em plena Rue de Rivoli. Depois de percorrer todos os aposentos daquele que seria um dos mais importantes pontos de encontro da sociedade de fins do século XIX, ela deve ter escandalizado o circunspecto mordomo ao dizer estas palavras: “Está tudo muito bom, muito bonito. Só é pena não ter um galinheiro”.

Discreta, vestia-se com roupas escuras e não aceitava o tratamento de Madame, tão em voga na época. Inovou em seu testamento provendo generosamente mulheres da família ou agregadas, contanto que usassem o dinheiro em proveito próprio, sem deixá-lo nas mãos dos maridos. Isso a torna uma das primeiras feministas da nossa história. Deixou ainda um pedido de desculpas a todos aqueles que possa ter ofendido ou escandalizado e o pedido de um enterro de segunda classe.

Foi enterrada no Cemitério da Consolação e a rua que liga o Largo Santa Cecília à avenida Higienópolis recebeu o nome de Dona Veridiana, consagrando o que já era costume da população.


Imagem: Veridiana Valéria da Silva Prado (Fonte: Pioneiros e Empreendedores)

(publicado originalmente no site VivaSP, em 19/08/2006)

O dinheiro do Barão

A Família Prado foi, sem sombra de dúvida, uma das mais importantes na história paulista a partir do alvorecer do século XIX. Fazendeiros, políticos, empresários, escritores, um Prado sempre se destacava. Um deles, Eduardo, grande amigo de Eça de Queiroz, foi quem inspirou a personagem principal de "A cidade e as Serras", uma das grandes obras do escritor português.

A família tem seu início no Brasil no século XVIII com o primeiro Antonio da Silva Prado (seriam muitos) que, vindo de Portugal, se estabeleceu na Vila de Parnayba. Daí um erro muito comum: achar que os Prado eram “quatrocentões”; na verdade eles não eram descendentes do frondoso tronco de João Ramalho e Bartira, mas através de casamentos uniram-se a essas famílias. O próprio Antonio casou-se na família Siqueira de Moraes, das mais antigas de Piratininga.

Hoje vou falar do terceiro Antonio da Silva Prado (1778 – 1875), um paulistano que aos dezoito anos, órfão de pai, foi para Bahia negociar algodão. Voltou alguns anos depois, já com um bom dinheiro na algibeira, e se firmou como negociante em São Paulo. Comprava e vendia mulas, emprestava dinheiro, animava o comércio. Conseguiu arrematar em uma concorrência o imposto de Sorocaba, que era cobrado sobre todos os animais que vinham do sul para serem vendidos naquela cidade paulista. Essa espécie de pedágio era chamada de registro e movimentava um belo dinheiro; foi aí que Antonio Prado começou a enriquecer.

Quando o Príncipe D. Pedro proclamou a Independência Prado estava com ele e sempre foi fiel ao imperador. Graças a essa fidelidade ao governo imperial mais tarde foi agraciado com o título de Barão de Iguape. Nesse tempo já era homem respeitado na Província, até mesmo uma filial do Banco do Brasil ele conseguiu montar em São Paulo!

Só que bem antes disso, aí por volta de 1820, ele comoveu-se com a história de Maria Cândida de Moura Vaz, abandonada pelo marido e com duas filhas pequenas. Não só se comoveu mas se apaixonou e foram viver maritalmente. Seria um grande escândalo naquele burgo que era São Paulo, mas Antonio era rico e o povo logo se calou. Em 1823 nascia o primeiro filho do casal, Veríssimo, e dois anos depois Veridiana, aquela que seria a grande dama paulista, de quem falarei em outra crônica. Só quando o primeiro marido de Maria Cândida morreu é que eles puderam oficializar a união perante a igreja. Antes disso Antonio já havia arranjado bons casamentos para as enteadas, a quem queria como suas próprias filhas.

Pois muito bem, sabendo isso sobre o nosso personagem posso retomar o título desta crônica e narrar o que aconteceu de curioso. Certa ocasião circulou um boato que o Barão estava falido. Naquela cidadela de vinte mil almas isso deve ter corrido feito rastilho de pólvora, até chegar aos ouvidos do próprio Barão. Nessa época ele já morava no grande sobrado na esquina das ruas Direita e São Bento, no local que, por ter os únicos quatro ângulos retos da cidade, era conhecido por Quatro Cantos (hoje em dia, no local encontra-se o Edifício Barão de Iguape, sede do Unibanco, na Praça do Patriarca).

Ora, era preciso tomar uma atitude: para calar a boca os maldizentes o Barão pegou todo o dinheiro que tinha em casa – e que não era pouco – colocou-o na calçada da rua Direita e deixou um escravo tomando conta. Aos que passavam e olhavam a cena insólita, o bom preto respondia calmamente: “Num vê que o dinheiro tava pegando bolor, entonce o sôr Barão mandô colocar aqui amode tomá sol..."

Essa era a velha São Paulo, onde um dia um velho milionário colocava o dinheiro pra tomar sol em plena rua Direita!

Imagem: O Barão de Iguape (Fonte: Pioneiros e Empreendedores)

(publicado originalmente no site VivaSP, em 09/06/2006)

Silva Prado e Souza Queiróz - Parte II

O apogeu no século XIX


No período que compreende a proclamação da Independência até o fim do Império as duas famílias conheceram seu melhor período político, econômico e social. Dominando a política na cidade além de atividades culturais e vida social, ambos os grupos teceram importantes alianças através de matrimônios interfamiliares e sociedades políticas e comerciais que proporcionaram o fortalecimento de cada um dos grupos, bem como de sua representatividade na vida paulistana.


Nesse período podemos destacar diversas figuras de extrema importância na história do Brasil e que estavam ligadas às familias-chave alvo deste estudo.


Ligados aos Prado, ou mesmo sendo um deles, estão os irmãos Andrada, o brigadeiro Manoel Rodrigues Jordão, o Barão de Antonina, Eleutério da Silva Prado, Antonio da Silva Prado III (Barão de Iguape), os irmãos Antonio, Martinico, Eduardo e Caio Prado, entre outros.


Na família Souza Queiróz pode-se elencar o Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, o Padre Diogo Antonio Feijó, o Senador Nicolau Vergueiro, o Marquês de Monte Alegre, coronel Antonio Paes de Barros, o Major Diogo Antonio de Barros, o Senador Francisco de Souza Queiróz, o Senador Francisco de Paula Souza.


Retomando o início deste artigo, se fosse um romance poderiam ser colocados em campos distintos os dois grupos familiares na grande questão do último quartel do século XIX: monarquistas e republicanos. O caso é que na realidade havia dissidências dentro das famílias nesse aspecto. Para exemplo clássico podemos tomar o núcleo principal dos Prado, no qual Martinico fazia oposição aos irmãos Antonio, Eduardo e Caio. Chegaram mesmo a cortar relações, sendo que Martinico e Eduardo não mais se falaram.


Um incidente que faz parte da história familiar relata que na última visita do imperador a São Paulo: dona Veridiana dispôs seus netos em alas na entrada da Villa Maria, para que jogassem pétalas de rosa no monarca. Pois um dos meninos formou uma bola de pétalas e atirou bem no rosto de D. Pedro. A partir desse ponto as versões variam: uma reza que ao saber que o menino era filho de Martinico, o imperador fez um gracejo, comparando os espíritos de pai e filho. Outra afirma que ficou visivelmente contrariado, o que gerou um tremendo mal-estar para dona Veridiana.


Já em relação ao abolicionismo não houve posição coesa do grupo: enquanto alguns desde meados do século XIX já testavam uso de mão-de-obra livre, outros mantiveram seus cativeiros até a promulgação da Lei Áurea. No grupo Souza Queiróz as ações de colonização foram mais acentuadas, como as implantações feita pelo Senador Vergueiro, Comendador Souza Barros, Senador Queiróz, entre outros. No caso dos Prado, o Conselheiro manteve-se escravocrata até vésperas da Lei Áurea; já seu irmão Martinico foi um dos principais defensores da idéia de braços livres na cafeicultura e um dos fundadores da Sociedade Promotora de Imigração, cujo nome de maior destaque entre seus componentes foi o Conde de Parnaíba, ligado por laços familiares ao grupo dos Prado.


Após a queda da monarquia o Conselheiro Prado viaja para Europa, profundamente desgostoso com a situação do país. Por lá permanece alguns anos e ao retornar começa a ser instado por amigos que haviam aderido ao novo regime a retomar sua carreira política. Em 1899 assume a prefeitura paulistana permanecendo no cargo por 11 anos, sendo sua gestão um das mais importantes na história da cidade.


Na última década do século os monarquistas lutavam pela restauração e a cidade foi alvo de violentos combates entre este grupo e os republicanos. Eduardo Prado era um dos mais combativos monarquistas e seu jornal "O Diário de São Paulo" o veículo de mídia do grupo. Até mesmo Veridiana assumiu o comando do jornal por algum tempo enquanto o filho fugia da repressão do Marechal Floriano. Foi um período sombrio na família Prado.


No grupo dos Souza Queiróz despontavam nomes como Washington Luiz (genro do Barão de Piracicaba II), Albuquerque Lins (genro do barão de Souza Queiróz), Francisco Antonio de Souza Queiróz Junior, entre outros.


Um episódio interessante na vida da cidade teve como protagonista os Barões de Tatuy. Para a construção do viaduto do Chá era necessário demolir o velho sobrado onde moravam os barões, que ficava na esquina da rua Direita com a Libero Badaró, muito antes de existir a praça do Patriarca. O que não passava de uma disputa judicial e de foro municipal acabou por tomar ares de briga entre monarquistas reacionários e republicanos progressistas (veja mais em


O século XIX terminava e com ele uma geração saía de cena, em sua maior parte de titulares do Império, fazendeiros, políticos. Seus descendentes, dali por diante, é que tomariam as rédeas e assumiriam os papéis que lhes cabiam no cenário da aristocracia do café. O século XX se anunciava prometendo novidades e mudanças, como uma nova era de ouro na história da humanidade. Novos tempos.

* * *


Como parte inicial do projeto deste blog, este artigo finaliza o estudo macroambiental das famílias de destaque na história paulista.


Os próximos artigos irão tratar de casos específicos, ligações familiares mais detalhadas e que em grande parte terão como protagonistas personagens ligados ao grupos descritos anteriormente.

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