domingo, 14 de outubro de 2007

A rua Alegre e a rua Triste

São Paulo já batizou com muito mais graça e pitoresco as suas ruas. Os velhos pirapitinganos andavam pelas pedras irregulares das ruas do Jogo da Bola, das Casinhas, da Freira, becos do Inferno e da Cachaça, ladeira do Quebra-bunda.


Nesses tempos havia duas ruas de nomes interessantes – Alegre e Triste –, que saíam do largo de Santa Efigênia em demanda aos campos do Guaré, lugar que com o passar dos anos ficou conhecido como bairro da Luz.


As ruas Alegre e Triste corriam quase paralelas, nascendo pelos flancos do sobrado do Brigadeiro Tobias, ali mesmo junto à igreja de Santa Efigênia.


Esse prédio era o mais antig0 da rua Alegre, construído por volta de 1798 pelo Coronel Luis Antonio Neves de Carvalho. Constituía num imenso sobrado de taipa, com 20 janelas voltadas para essa rua; posteriormente foi comprado pelo Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, que aí residiu com a Marquesa de Santos. Com a construção do viaduto Santa Efigênia, em 1913, parte do sobrado teve que ser demolida, desaparecendo definitivamente em 1924.

Residência do Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar (Gravura de Alberto Esteves)


Por esse tempo a rua Alegre já era endereço da família do Brigadeiro Gavião Peixoto, que possuía uma grande chácara. Com o desmembramento desta entre os filhos, a antiga casa-sede coube a Camilo Gavião Peixoto, que por volta de 1859 a reformou segundo o estilo neoclássico em voga no Rio de Janeiro. Nesse ano seu irmão José Maria Gavião construía um sobrado no mesmo estilo. Junto com o sobrado do Brigadeiro Tobias, essas eram as casas mais antigas da rua Alegre e que resistiram até o século XX.

Residência de Camilo Gavião Peixoto (Militão Augusto de Azevedo)

Residência de José Maria Gavião Peixoto (Militão Augusto de Azevedo)


Depois da implantação da ferrovia, em 1867, a rua Alegre tornou-se um dos endereços preferidos da elite cafeeira; ali residiram membros das famílias Barros, Almeida Prado, Barbosa de Oliveira, Arruda Botelho, Souza Aranha. Na década de 1870 diversas novas construções surgiram nessa rua: o solar de Rafael Tobias Paes de Barros (Barão de Piracicaba II), o chalé do Conde de Três Rios (Joaquim Egídio de Souza Aranha), depois residência do Conde de Pinhal (Antonio Carlos de Arruda Botelho), além das residências de José Vasconcelos de Almeida Prado e Antonio Alvares Penteado.


Em 1877 a Real Sociedade de Beneficência Portuguesa construiu ali sua sede, na esquina da travessa que hoje leva o nome dessa instituição.

Hospital São Joaquim da Beneficência Portuguesa (Autor desconhecido)


Como já visto em artigo anterior, as uniões endogâmicas e a repetição de certos nomes geravam diversos equívocos para futuros pesquisadores. Morando na rua Alegre, dois primos tinham nomes praticamente iguais: Rafael de Aguiar Paes de Barros (filho do Barão de Itu) e Rafael Tobias de Aguiar Paes de Barros (filho do Barão de Piracicaba e segundo do mesmo título). São comuns as confusões por conta dessa semelhança, algumas motivadas por descuido e falta de análise mais profunda, outras pela escassez de fontes disponíveis para consulta.


Rafael Tobias de Aguiar Paes de Barros, futuro Barão de Piracicaba II, ergueu um belo palacete por volta de 1870, um dos primeiros a serem implantados fora do alinhamento da rua. Sobrinho e afilhado do Brigadeiro Tobias (de quem possuía o nome), ele construiu sua casa num imenso terreno na esquina das ruas Senador Queiróz com Alegre, sendo os fundos voltados para a rua Triste, onde ficavam o pomar, as cocheiras e acomodações do escravos. Com mais de sessenta cômodos, a casa possuía os dormitórios no térreo, sendo que o estar formal e familiar se localizava no primeiro andar, considerado o pavimento nobre. Isso ainda era resquício dos sobrados coloniais, nos quais as acomodações para escravos e os serviços se encontravam no piso ao rés-do-chão. Provavelmente a construção era mista, usando taipa de pilão e tijolos de barro, estes com o brasão da Olaria Sampaio Peixoto, de Campinas.

Solar do Barão de Piracicaba II (Autor desconhecido, cerca 1929)


O Barão faleceu em 1898, mas sua viúva e alguns filhos residiram no palacete até 1918, quando foi ocupado pela escola de Farmácia. Foi nessa casa que um dos genros do Barão, o jovem bacharel Washington Luis Pereira de Souza começou a trilhar os caminhos da política. Casado com Sofia, certamente se beneficiou do prestígio que o sogro tinha na sociedade paulista, bem como da vasta e influente parentela. A residência do Barão de Piracicaba foi demolida em 1942.


Por volta de 1885 outro Rafael Tobias, primo e homônimo do anterior, também mandou construir para si um belo palacete, ao gosto neoclássico, mas que inovava ao transferir o andar nobre para o térreo, o que seria o padrão a partir de então. Externamente ambas as residências se assemelhavam, com pequenas modificações quanto à ornamentação.

Palacete de Rafael de Aguiar Barros (Axel Frick)


O palacete em que morou Antonio Alvares Penteado antes de mudar-se para Higienópolis foi construído junto ao alinhamento da rua, com entrada por jardim lateral, na década de 1890. Abrigou anos depois o Hotel Albion.

Palacete de Antonio Alvares Penteado, já funcionando como hotel (Autor desconhecido, cerca de 1929)


A rua Triste, talvez em acordo com o nome, pouca iconografia possui. Mesmo depois, quando seu nome foi mudado para rua da Conceição, não atraiu os ricos cafeicultores. Tornou-se em rua de comércio e moradias de classes menos favorecidas. Com o passar dos anos, a vantagem de morar perto da estação acabou se transformando em transtorno: trânsito, barulho, degradação do entorno, proliferação de hotéis baratos, tudo isso contribuiu para a decadência dessa região como endereço das elites, da mesma forma que ocorreu com a rua Florêncio de Abreu e os Campos Elíseos. Os velhos palacetes transformaram-se em hotéis, comércio, escolas ou cortiços, até serem demolidos e substituídos por edifícios.


Hoje a rua Triste cresceu, transformou-se em avenida e se chama Cásper Líbero; a Alegre continua rua, mas com o nome de Brigadeiro Tobias. Do antigo esplendor nada mais resta.


Para escrever este texto, além da bibliografia indicada na página principal, foi de inestimável valor o artigo Nos caminhos da Luz, antigos palacetes da elite paulistana. CAMPOS, Eudes

In: Anais do Museu Paulista. Jan/Jun 2005. Volume 13; pp. 11-57

Um comentário:

Anônimo disse...

A-DO-REI oq vc escreveu no meu blog...sobre jogar ovos em algumas pessoas...acho q faria isso tb
bom fds

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