terça-feira, 18 de setembro de 2007

Silva Prado e Souza Queiróz - Parte I

Fosse a história paulistana narrada como um romance e se poderia dizer que as duas grandes famílias citadas no título deste artigo eram as que detinham o poder na cidade no século XIX. Como a realidade é diferente dos romances, há que forçosamente deixar isso de lado e analisar com mais profundidade o papel desempenhado por cada uma delas, de maneira similar e paralela, no cotidiano paulistano tratando-as como famílias-chave na história da cidade.


Em comum ambas tinham como atividade econômica fundamental a cafeicultura, além da intensa europeização na educação e no modus vivendi, a participação no processo de urbanização e abertura de novos bairros, a expansão da malha ferroviária no Estado e, por fim, o impulso inicial da indústria ligada a cafeicultura (máquinas, equipamentos e sacaria de juta).


O parâmetro escolhido para definir essa divisão entre duas famílias foram as relações de parentesco, visto que social e comercialmente havia uma integração entre esses grupos. A escolha das famílias-chave foi baseada no papel que ambas desempenharam no cotidiano da cidade início do século XIX, no período pré e pós-Independência, com os Silva Prado apoiando D. Pedro I e os Souza Queiróz envolvidos em insurreições, como a revolta comandada por Francisco Inácio, que passou para a história com o nome de bernarda. Anos depois, na Revolução Liberal de 1842, novamente surgem os Souza Queiróz envolvidos em luta contra o governo, visto que o comandante Rafael Tobias de Aguiar era ligado a esse grupo familiar.


A divisão entre essas duas famílias de nenhum modo exclui as demais que tiveram destaque no período, visto se ligavam diretamente a alguma delas. De modo geral pode-se dividir as famílias que formavam a elite agrícola da segunda metade do século XIX em dois grupos:


Silva Prado: Alvares Penteado, Alves de Lima, Souza Guedes, Costa Pinto, Silva Machado, Pacheco Chaves, Pacheco Jordão, Rudge, Silva Ramos, Queiróz Telles.


Souza Queiróz: Paes de Barros, Rezende, Souza Barros, Campos, Barbosa de Oliveira, Arruda Botelho, Aguiar Barros, Prates, Paula Souza, Vergueiro.


As diferenças entre os grupos não são grandes, visto que exerciam o mesmo papel econômica e politicamente. Pode ser destacado o fato de, enquanto os Prado eram mais ligados culturalmente à França, os Souza Queiróz tinham fortes ligações com Alemanha. Além disso, os membros desta família seguiam profissões como engenharia, agronomia, medicina em detrimento da advocacia.


Claro que todas essas afirmações são baseadas num modelo macroambiental, de uma forma generalizada. Analisando cada família ligada a esses grupos em particular as diferenças tendem a diminuir, pois todas faziam parte de uma elite com valores e padrões similares.


Aqui serão analisados aspectos gerais de cada família-chave em diversos aspectos na história da cidade e quais as influências e participações desses grupos familiares.


Nos próximos artigos o enfoque será maior e mais detalhando em cada família participante dos grupos, bem como em determinados membros que tiveram maior destaque na história paulistana.




sexta-feira, 7 de setembro de 2007

A avenida que nunca foi dos barões


Nos últimos anos diversos artigos já vem contradizendo o senso comum que batizou a avenida Paulista como reduto dos “barões do café”. A expressão, que no mais das vezes apenas indica a elite cafeeira surgida em meados do século XIX, não pode ser aplicada a esse endereço especificamente, visto que proporcionalmente foram poucas as famílias ligadas diretamente a essa cultura a residir na avenida.

De modo simplista, poderiamos tomar a lista de assinantes da Cia. Telefônica e provar que a Paulista era endereço dos imigrantes, bastando ver os nomes que ali estão: Matarazzo, Rizkhalla, Assad, Schaumann, Weizflog, Von Bullow, Thiollier, Klabin, Crespi, Siciliano, Gamba, Scarpa. Os nomes nacionais, apesar de pertencerem à famílias ligadas a cafeicultura, em sua maioria dedicavam-se a profissões liberais, desvinculados da agricultura e, portanto, não se enquadrando no que se convencionou chamar de “barões do café”. Nicolau Moraes Barros (médico); Horácio Sabino (empresário); Numa de Oliveira (banqueiro); Ernesto Dias de Castro (importador), Luis Anhaia (professor) eram alguns desses indivíduos que, apesar de ligados à economia cafeeira não eram produtores, mas sim profissionais liberais ou empresários notadamente urbanos.


Os cafeicultores propriamente ditos que ali residiram até a virada do século foram poucos, como Francisco Ferreira Santos e Joaquim Franco de Mello. Literalmente, a única pessoa que recebeu título de nobreza nos tempos do Império a residir na avenida foi a Baronesa de Arary, que construiu em 1917 um palacete com projeto de Victor Dubugras, junto ao parque Villon. Mas isso foi após ter morado nos Campos Elíseos e depois, já viúva, em Higienópolis.


A avenida Paulista foi endereço da nova elite que surgia, oriunda do comércio e da indústria, como se pode ver numa simples pesquisa primária. Além disso, apesar de endereço chic, muitas famílias de classe média residiram em diversas casas de aluguel construídas especialmente para este fim. Não estamos aqui tratando do entorno da avenida, como alamedas Santos, São Carlos do Pinhal, Campinas, etc, pois aí se torna mais notável a disparidade de classes sociais convivendo no mesmo espaço urbano.


O barões do café – que receberam títulos nobiliárquicos do Império - , esses moraram ou em suas fazendas (notadamente os do Vale do Paraíba) ou no chamado centro histórico da cidade. Dali, alguns se transferiram para os caminhos que demandavam a estação da Luz, como rua Alegre e da Constituição (hoje, respectivamente, Brigadeiro Tobias e Florêncio de Abreu) ou para os Campos Elíseos, cujo loteamento se iniciou em 1880.


Inaugurada em 8 de dezembro de 1891, portando já no período republicano, a avenida Paulista foi ter a primeira casa (fig. 1) construída em 1895, por Adam Von Bullow, presidente da Cia. Antarctica. Um ano depois Francesco Matarazzo terminou sua residência, uma casa térrea com planta que seguia o esquema tradicional quando a norma já eram os padrões franceses de distribuição. Luís Anhaia entra com seu projeto na Prefeitura em 1898.


No período do Encilhamento a febre imobiliária concentrou-se nos bairros que já estavam implantados como Campos Elíseos, Santa Cecília, Vila Buarque, Chá, Liberdade e imediações do centro histórico.


Em 1900 a Ligth inaugura a linha de bondes elétricos, atraindo novos moradores como Horácio Sabino. Morando na General Jardim, desde fins do século ele possuía na avenida uma chácara apenas para recreio, com uma velha casa sede de um antigo sítio e um grande pomar de jabuticabeiras, além de uma vaca. Em 1903 é que decide construir um belo palacete art noveau sob projeto de Victor Dubugras.


Portanto é na virada do século que começa a efetiva ocupação da avenida, como podemos ver nas célebres fotografias (fig. 2) de Guilherme Gaensly tiradas em 1902 da torre do palacete Von Bullow. Nessa época a maior parte dos titulares do Império já havia falecido.


Em linhas gerais podemos encerrar a questão verificando que nenhum membro de famílias como Silva Prado, Souza Barros, Arruda Botelho, Paes de Barros, Souza Queiróz ou Penteado, por exemplo, tenham residido na avenida até 1910. Uma breve análise nos mostra que essas famílias concentravam-se em Higienópolis (Alvares Penteado e Silva Prado), avenida São Luiz (que era um feudo dos Souza Queiróz), Florêncio de Abreu e Brigadeiro Tobias (Paes de Barros, Souza Barros) e Campos Elíseos (Guedes Penteado, Arruda Botelho, Souza Guedes).


Em 1929 a crise da bolsa de Nova York acabou diminuindo a importância dessa elite de “barões e quatrocentões”, sendo que as classes ligadas à indústria e ao comércio começaram a ocupar o espaço antes dominado pelos cafeicultores.


Viveram – e morreram – em seus sobrados no centro os Barões de Tietê, Itapetininga, Silva Gameiro, Iguape, Souza Queiróz, São João do Rio Claro, Piratininga e Tatuí. O Marquês de Três Rios morava na Luz, onde hoje se encontra a Escola Politécnica; o Barão de Limeira morava na chácara na subida do Riachuelo. Já o primeiro Barão de Piracicaba morou na Florêncio de Abreu enquanto seu filho, de igual título, morava na rua Brigadeiro Tobias. A Marquesa de Santos morou em Santa Efigênia (quando casada com o Brigadeiro Tobias) e depois de viúva, até sua morte, na rua do Carmo. Nos Campos Elíseos viveu alguns anos o Barão de Arary, casado com uma sobrinha anos mais nova que depois de viúva foi residir na Paulista. O Barão de Pirapitingui havia construído seu sobrado na esquina da Ipiranga com Visconde de Rio Branco, casa que depois ficou de herança para sua filha Olívia, que morava a poucas quadras dali.


Os mais longevos titulares do Império foram o Barão da Bocaina, que faleceu em 1931 e morava nos Campos Elíseos, e a Baronesa de Arary, falecida em 1951 já centenária, e a única a realmente ter residido na avenida Paulista.


O resto é lenda.


As imagens que ilustram esse artigo são de Guilherme Gaensly.


Para imagens e mais informações: Álbum Iconográfico da Avenida Paulista, de Benedito Lima de Toledo


Saiba mais pesquisando aqui

Google