terça-feira, 20 de novembro de 2007

A Villa Matarazzo

Pela rua Direita um automóvel vinha assustando muitos pedestres ainda mal acostumados com a novidade. Sim, já há alguns anos que Henrique Santos-Dumont rodava pela capital com um veículo a vapor, e vivia em atrito com a Prefeitura por conta dos mal estado das ruas e da insistência da municipalidade em cobrar uma taxa sobre o veículo. Por conta dessa quizília, apesar de oficialmente ter trazido o primeiro automóvel a percorrer as ruas da velha Piratininga, Henrique perdeu o direito de possuir a primeira placa de registro expedida pelo governo municipal.

Pois o tal automóvel de placa número 01 não se dirigia aos Campos Elíseos ou para Higienópolis, redutos da elite cafeicultura. Ao invés disso, subia vagarosamente a rua da Consolação, chamando a atenção dos raros transeuntes, até chegar na recém inaugurada avenida Paulista. Praticamente despovoada, ainda se assemelhava a um arrabalde de chácaras, com muitas árvores e a magnífica vista que dali se descortinava. Levantando poeira no macadame da via, o auto estaca diante do número 83, uma grande casa térrea em estilo neoclássico. Ali morava um homem alto, de bigodes negros e luzidia calva; na varanda a esposa o aguardava, acompanhada de alguns dos treze filhos do casal.

O cidadão em questão era o comerciante e industrial Francesco Matarazzo, italiano chegado no país em 1882. Não, não havia vendido bananas numa carrocinha pelas ruas da cidade como uma das lendas criadas pelos paulistanos. Na verdade seu primeiro destino no Brasil foi a cidade paulista de Sorocaba, onde manteve armazém na rua da Penha, humilde endereço que seria a gênese do maior império industrial da América do Sul do século XX.


Inaugurada em 8 de dezembro de 1891, a avenida Paulista atraiu imigrantes enriquecidos, como Adam Von Bullow e Francesco Matarazzo, que construiu sua residência em 1896 num imenso terreno de 12 mil metros quadrados. Quatro anos depois uma reforma aumentava o número de dormitórios e salas, além de criar uma fachada simétrica no neoclássico em voga nesse tempo. Já foi na nova residência que, em 1901, nascia Francisco, o penúltimo filho do casal e que seria o herdeiro e continuador da obra paterna.

Entre os anos 20 e 30 a casa sofre outra reforma, tornando-se assobradada; A Villa Matarazzo, já emblemática na cidade pelo morador ilustre, agora ganhava ares grandiosos, com uma ares mais modernos na fachada. Nesse período Chiquinho, casado com a prima Mariângela, já era o braço direito do pai na administração dos negócios. Essa decisão do Conde causou inúmeras desavenças familiares, resultando até mesmo em disputas na justiça.


Em 10 de fevereiro de 1937 a Paulista parou no enterro do Conde. A multidão seguiu o cortejo até o mausoléu da família no cemitério da Consolação.

Em 1941 a casa é totalmente remodelada pelos arquitetos Morpurgo e Piacentini, responsáveis pela construção do edifício Matarazzo na praça do Patriarca, em 1939. Essa foi a imagem mais conhecida e que resistiu até janeiro de 1996, quando “desabou” com a chuva que castigava a cidade. Esse desabamento não foi acidental, obviamente. Desde 1988 sob disputa na justiça com a Prefeitura, que ali queria criar o Museu do Trabalhador, os herdeiros já haviam dinamitado estruturas do porão. A chuva só fez por completar o trabalho: na madrugada de 11 de janeiro aluiu a parte central do casarão.

Nas semanas seguintes o que havia ficado em pé foi demolido por uma empresa, que certamente lucrou muito com todo o mármore travertino dos pisos e fachadas, com os encanamentos e calhas de cobre, com as maçanetas, dobradiças, portas e janelas. Enfim, era a pá de entulho na história de um império.


Imagens: Matarazzo – 100 anos; Revista Veja (21/01/1996). Diário Popular (12/01/1996)

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